Câmara Cascudo e seu eterno retorno. (Tornei-me Cascudiana. 2° Parte).
Por trás da história que a crônica Cascudiana conta
há, especialmente, um Luís da Câmara Cascudo.
Há uma crítica junto a uma voz relutante. Um medo que
não se desune dos sonhos. Uma amálgama de passado e futuro, preocupação e
defesa, interrogação e epifanias.
Por trás da crônica Cascudiana há uma cidade, ou, mais
exatamente, suas origens.
...
Muitos são os aspectos que caracterizam um escritor.
Os que escrevem crônicas têm, por fatores históricos, a excelência da filosofia
jornalística. Porém, falar das crônicas de Câmara Cascudo é encontrar-se em mar
profundo, vasto. É sentir a identidade das raízes mais íntimas e indestrutíveis
da alma universal e da alma brasileira, nordestina. A palavra, recurso mágico, lhe
serviu de construção materializadora das inquietudes e amores. Sua terra, tudo
de mais amplo e vário que lhe pertence, provocou-lhe, acredito eu, em sua
natureza indagatória, pesquisadora. Essa terra lhe deu tudo, razões para viver,
razões para vivê-la. Definiu o movimento da sua vida, por isso tanta gratidão.
Assim, pesquisou, criou, construiu [...]. Tornou-se o
grande contribuidor da historiografia brasileira que hoje, felizmente, podemos
conhecer.
Em “Crônicas de origem”, Câmara Cascudo, de forma encantadora
e instigante, parece olhar de cima a harmonia e desarmonia das coisas, para
depois mergulhar, não perdendo nada. Um olhar particular, poético, porém
filosófico. Costurando, em tecido ousado e inabalável, a importância das
temáticas.
Estudar as crônicas cascudianas é, acima de tudo, um
prazer indescritível. Dá orgulho sentir a somatização de todo seu trabalho, o
equivalente a, pelo menos, 150 livros, todos enriquecidos de uma
intelectualidade e qualidade surpreendentes. Dá orgulho sabê-lo norte-rio-grandense,
como eu.
É bem verdade que no livro Crônicas de Origem há uma
conversação contínua. Cascudo dialoga, como se estivesse em uma de suas viagens
pelos cantos do nosso lugar e da nossa gente. A leitura, de cara, proporciona
uma interação forte, que vincula história-espaço, a teia complexa que nos faz “ser”.
Ao inserir-se em seu cotidiano, naquilo que lhe é “vida”, Cascudo nos estimula a caminhar por análises densas, expansivas. É a leitura que engrandece
porque soma, constrói, revela, oferece outras leituras, suscita sentimentos e
sentidos importantes.
O livro Crônicas de Origem foi escrito na década de 20,
no momento de transição de uma escola literária para outra. É fato que no Rio
Grande do Norte os ânimos do Modernismo não eram tão ardentes, impetuosos e “massivos”
quanto nas grandes capitais do movimento, mas, também, estávamos vivendo nosso
momento de ruptura, de ascensão à tão inevitável modernidade. Era como observar
uma vila transformar-se em cidade. No pré-modernismo, os escritores escreviam
mantendo uma convivência pacífica e, ao mesmo tempo, extrusiva com o passado. É
evidente a ambição acelerada dos artistas, no início do modernismo, em definir
uma nova estática da existência para as artes, no entanto, em algumas obras,
podemos sentir, ainda, traços pretéritos, vínculos ao realismo, naturalismo,
parnasianismo, simbolismo...
Câmara Cascudo foi o intérprete do Modernismo no Rio
Grande do Norte. Porém, há variantes enormes. Enquanto tentava-se, através das
artes, construir o desejo da identidade e do pertencimento brasileiro, Câmara
Cascudo mostrava seu diferencial: Ela já trazia, em sua arte e cientificidade,
o nacionalismo, o amor e o orgulho pelo seu lugar e seu povo, já era o famoso “provinciano
incurável”. Sua identificação e seu pertencimento eram os elementos, como eu
disse, que movimentavam sua natureza artística e científica desde o início.
Identifico-me quando vejo, em seus dizeres, sua convivência
com as águas do rio Potengi entre barcos e pescadores, bebendo a água dos
riachos, andando descalço pelas areias. Na contemplação do nascimento, morte e
o renascimento da natureza... Nas idas aos mais íntimos
lugares do Sertão, ouvindo as incríveis histórias dos homens e mulheres do
campo... Identifico-me quando o vejo como alguém que buscou. Que estudou o que
amou. Fez o que queria fazer, a despeito dos desejosos olhos de fora que,
questionadores, pedem que sigamos na “institucionalidade” da vida, mas nosso
espírito pede outra coisa.
Um dos traços mais bonitos da história de Câmara
Cascudo, a meu ver, é que em seu percurso de escritor, ele publicou suas obras
no Brasil e no exterior, no entanto, sua paixão por Natal era tão extrema
que, de maneira alguma, quis deixá-la. Não aceitou ser membro da Academia Brasileira
de Letras, rejeitou o convite do então Presidente Juscelino para ser reitor da
Universidade de Brasília.
Como são complexas e bonitas (na mesma grande proporção) nossas raízes.
Como são complexas e bonitas (na mesma grande proporção) nossas raízes.
Não à toa Luís da Câmara Cascudo ficou conhecido como
aquele “que tudo sabe a respeito de seu lugar”. Ele tomou isso como missão.
Em “Crônica de Origem”, Cascudo manifesta sua
preocupação municipal, já que o livro é essencialmente sobre Natal. Essa
preocupação se revela na interpretação da história do município, dos pequenos
detalhes entre o passado e a mudança que o futuro prometia, da valorização dos
costumes, nas reflexões antropológicas, ontológicas, etnográficas... Na
exaltação da Cultura popular, da postura crítica frente às organizações
políticas [...].
Entre as características que Cascudo aborda sobre
Natal, ele menciona seu surgimento, sua evolução em contextos variados, exibe
marcos da população, do crescimento demográfico, dos dirigentes da cidade,
governadores que representaram momentos decisivos na história do município e do
estado, como Juvenal Lamartine, de suas admirações, denúncias político-sociais,
da emancipação feminina natalense, da confirmação do trabalho, das relações sociais,
da proteção ao proletariado, da inquietação de um cidadão que vê seu município ganhando contornos desconhecidos. Há também a participação do RN na 2° Guerra Mundial. E
reportes na história brasileira como o período colonial, o escravismo, o
governo de D. Pedro I, D. Pedro II, a República e etc. O livro, portanto,
caracteriza-se como poderosa fonte historiográfica. Cascudo deixa claro seus
objetivos, seu poder de jornalista, historiador, geógrafo, pesquisador, crítico
[...].
...
Hoje sabemos, Luís da Câmara Cascudo foi o historiador mais importante na construção da história de Natal. E o percurso do livro é consequência da perseverança e de trabalhos exaustivos de um estudioso preocupado em responder suas perguntas sobre o passado e deixar lições, respostas e gestação de novas perguntas para nós, sucessores.
Hoje sabemos, Luís da Câmara Cascudo foi o historiador mais importante na construção da história de Natal. E o percurso do livro é consequência da perseverança e de trabalhos exaustivos de um estudioso preocupado em responder suas perguntas sobre o passado e deixar lições, respostas e gestação de novas perguntas para nós, sucessores.
“Para nós
está esquecido. Nada vive que lhe recorde o passado. A geração que o conheceu
dispensou-se de justifica-lo.” – Luís da Câmara
Cascudo
E é a partir de praticamente nada, que Câmara Cascudo
desvenda o passado.
Particularmente, em Crônicas de Origem, vou fazer um
pequeno comentário sobre a crônica "A taça florida".
Pode se dizer que uma das “funções” da literatura é a
denúncia, o encargo da crítica. Em “a taça florida”, Câmara Cascudo demostra
seu compromisso com a denúncia de um modo especial, singular. Essa denúncia,
muito próxima de aflições e/ou temores, não é direcionada a instituições
política, apenas. Mas fala, diretamente, ao cidadão. A crônica tem como
principal foco temático a Natal de outrora, recanto de flores cujos nomes o
escritor invade de significados e saudades. Em determinado momento, no entanto,
as flores somem... Há uma revelação no título da crônica. Um apelo, eu diria. “Vamos
premiar o pobre ou rico que tiver um jardim bem cuidado. O prêmio é uma taça florida”. Vê-se
a vontade de ver as antigas flores novamente ao alcance dos olhos, e o
temor que as flores fossem, continuamente, esquecidas. Nessa crônica, porém, a altivez
mais relevante talvez seja a metáfora. Cascudo pensa e escreve uma maneira para
resgatar um elemento característico da sua cidade que estava sendo perdido. Mas
há a força da alegoria: No momento em que as flores somem, fica evidente que a
sociedade mudou. Isso é ruim em que medida? Essa realidade-metáfora parece
deixada de forma profética. A crônica termina, a reflexão fica.
Cascudo nasceu no dia 30 de dezembro de 1898. Chegou a
cursar medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, contudo desistiu do curso e foi
estudar Direito na Faculdade do Recife. Casou-se em 1929 com uma mulher com
nome de flor, Dáhlia Freire, com quem permaneceu até sua morte. Luís da Câmara
Cascudo faleceu em Natal, no dia 30 de julho de 1986 e escreveu até o fim de
sua vida. Deixou para trás um legado que, como falou outro estudioso, foi
equivalente ao segundo “descobrimento” do Brasil e o eternizou.
Conhecer Câmara Cascudo em sua história propicia,
sobretudo, um crescimento ético e moral na posição de cidadão, na atitude da
condição humana. São estímulos vários. Não posso negar que, ao longo da leitura
do livro Crônicas de Origem e das pesquisas referentes à vida e obra de Câmara
Cascudo, o imaginei vendo as ruas de Natal nos dias de hoje. Não deixei de
imaginar quais posturas assumiria na sociedade supermoderna do aqui e agora,
que supervaloriza o dinheiro e a individualidade. Sociedade que, cada vez mais, segue reta, sem o mínimo olhar soslaio para as flores diversas.
Cara Luana: foi com imenso prazer que tomei conhecimento do seu texto "Tornei-me Cascudiana. 2a. Parte". Sou neta de Câmara Cascudo e diretora do Instituto Câmara Cascudo que funciona na casa onde ele morou por 40 anos. Tomei a liberdade de compartilhei o seu maravilhoso artigo no facebook de nossa instituição (facebook.com/instcascudo). Agradeço, comovida, a homenagem à memória do meu avô. Um grande abraço, Daliana Cascudo.
ResponderExcluirEscrever e vê o nosso texto sendo utilizado socialmente, nos dá a sensação de que realmente somos úteis. Luana, que dizia ter como admiradores, somente eu e Max, agora ver que a própria neta de Câmara Cascudo vê a importância do seu texto. Parabéns, minha querida Luana, você agora viu suas enormes asas.
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