Era domingo e o céu invernal meio alaranjado fez-me ver aquela
terra como um sítio arqueológico de minha própria vida. Parece que cada árvore,
compartimento, estrada e recanto oferecia um vestígio do que foi minha criação.
Com
o sol quase em total epílogo, vi nascer uma lua cuja origem me pareceu teórica
demais. Nasceu no leste, vai desaparecer no oeste. Pensei.
Porém,
houve um tempo em que esperar a total escuridão da noite no sítio dos meus avós
representava a êxtase das brincadeiras, o surgimento voluntário dos primos que
viravam seres híbridos, ou seja, os lobisomens, na tentativa de suscitar medo,
concebia a certeza do dia seguinte onde tínhamos uma jornada de realizações em
que nenhuma incorporava responsabilidades.
As
chuvas torrenciais simbolizavam primeiramente súplicas, com o consentimento
dado, à natureza proporcionava o resto. Com certeza era a liberdade.
Debruçar-me sobre os perigos que a vida apresentava de forma tão intencional,
sistemática e inocente, nunca mais foi tão humano, instintivo do mesmo modo.
Era
um mundo de descobertas, onde às vezes eu me via sozinha e saia procurando o
que fazer como qualquer criança faria.
Comumente
eu tinha a sorte de ir até a porteira deixar o leite com meu avô Basto, sempre
muito cedo, umas cinco da manhã, eu e meus primos abusávamos das pseudociências
na vontade de um parecer mais esperto que o outro e pegar o lado privilegiado
do pobre burro Rozado, que além de carrear nosso peso, suportava os dois latões
de leite.
As
poucas palavras que trocava com meu avô ao longo do caminho condicionavam algo
que não era muito frequente. Mas, eu e meus primos gostávamos de ouvi-lo, mesmo
que fosse pouco. Muitas vezes formulávamos perguntas que sabíamos que
lhe interessavam como: Será que vai chover, vovô?
Meu
avô era um homem de estatura não muito alta, tinha os olhos azuis destacáveis,
rosto fino e cabelos grisalhos, era personificado como as pessoas de sua época,
mas com uma característica acentuada, o fato de ser incorruptível, dono de um
caráter e organização singulares. Tinha uma visão prática do seu mundo, que lhe
permitia com naturalidade desenvolver seus trabalhos e demonstrar seus
conceitos.
Sempre
que me via levantava-se e curvava seu chapéu, a qual sempre usava, em um gesto
de respeito e educação. Em seguida a isso eu pedia-lhe a benção, ao apertar a
minha mão sentia à sua, calejadas, que simbolizam o trabalho duro.
Ao
voltarmos da porteira com o leite já entregue, a uns 100 metros de distância da
casa, parece que eu já sentia o cheiro do café da minha vó ou das minhas tias.
Sentia uma emoção sincera de felicidade, um sentimento que se delineava com o
açude cheio, o céu límpido, a ternura dos raios solares, os meus primos prontos
pra brincar, as árvores e os solos verdes, os animais, minha família trabalhando,
tudo transformava aqueles dias em uma compleição espiritual, alegria de criança.
E
foi esse ambiente, que tinha tudo para parecer inercio, mas que era de
incessantes abalos, que forneceu alguns dos alicerces para o meu crescimento.
Aqueles
tempos não eram totalmente completos, mas com certeza eram intensos. Não havia
limites, nem medos. Aprendi tanta coisa, fui tão criança que eu nunca
conseguirei explanar.
A
tecnologia se restringia a uma televisão, um rádio e a técnicas empíricas para
as tarefas do sítio.
O
sítio ainda está lá, ainda trasborda tranquilidade, o sol é o mesmo, assim como
toda natureza. A alegria também é quase a mesma. Mas aquele lugar materializa
principalmente a névoa boa de um passado, que aos poucos foi desfeito pela réstia
fatal do futuro.
Disso
tudo, falta à presença do meu avô; em fevereiro deste ano completou quatro anos
que ele nos deixou, e após sua morte nunca mais vi ninguém curvar o chapéu pra
moças, e nem nada foi igual como antes lá no sítio.
Quando
lembro do meu avô, as primeiras imagens não são alusivas a hospital, ou doença
e ainda tento não pensar nas negligências da saúde pública. Lembro sempre e com
proeminência da pessoa que ele era, de sua postura, respeito, honra,
firmeza de caráter e de como ele, meu pai e meus tios sumiam naquela natureza
inóspita; admiro o amor que ele sentia pela minha vozinha Ana, recordo do
chapéu de palha usado para trabalhar, das previsões de chuva, da humildade, da
minha família paterna reunida, as brincadeiras com meus primos, rememoro dos
jogos - principalmente o Ludo, dos animais sendo pastorados
e de todo resto. Hoje percebo o quanto aquela época foi importante e o tamanho
do exemplo que meus avós e minha família representam pra mim.
Infelizmente
a vida nos oferece uma caminhada em que os passos dados representam passagens
que se vão e não voltam.
Mas a
ária ainda esta aqui. Possuída pelas fantasias e pelos sonhos, porém com o
fraseado atuante e sempre esperançoso de vencer e orgulhar as pessoas que amo
com prudência e determinação. Tudo que eu vivi até hoje foi o bastante para
minha personificação. Cada passo tem sido infiltrado com sabedoria, por tudo e
por todos algo brotou, se mestiçou e se iluminou. Fica a lição e a certeza que
cada dia será vivido com a intensidade que merece, o futuro pode esperar, mesmo
que eu o sinta inserido neste presente.
Luana que texto lindo de repente vi passando de ante dos meus olhos todo aqueles momentos lindos que vivemos no sitio o nosso avô, e que sem ele no sitio fica tudo sem sentido n é mesma coisa !chorei o texto todo pensando em tudo, e nesse momento que estou digitando estou chorando, foi muito bom relembrar do nossso avô de uma forma bem diferente!tô sem palavras no momento mas foi como um filme pra mim!obg prima te amo!!saudades
ResponderExcluirPreciso de sua presença na escola para dar um depoimento sobre a competência escritora; sobre as olimpíadas e sobre objetivos e metas a alcançar; a calcinha de Lauane tá comigo. Texto de chorar, lindo, maravilhoso
ResponderExcluirLuana não é a primeira vez em que você me deixa sem palavras quando leio seus textos. Seu texto me levou a minha infância, você me encantou com suas palavras, me levando num mundo em que fui muito feliz. Lembrei-me do sítio, o cheirinho do mato molhado, dos trovões quê me enchiam de medo e das brincadeiras que só a gente tem, quando somos crianças. Parabéns você me recordou a melhor época que temos, você é um polo de conhecimento. Fica aqui minha honra de ler um texto tão emotivo e cheios de conhecimentos, Parabéns, você é 10.
ResponderExcluirME FEZ LEMBRAR DE TODA MINHA INFANCIA... AO LADO DE VOVO^BASTO, E VOVÓ ANA... MEUS TIOS E TIAS;
ResponderExcluirTEMOS MUITA SORTE EM TER UMA FAMILIA MARAVILHOSA COMO A NOSSA LUANA. ME EMOCIONEI COM ESSE TEXTO!
Chorei de novo.
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