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Há a imagem-poética da infância

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[...] Minha tia e sua máquina de escrever. Ela usa óculos. Está concentrada. E escreve... Deixando correr pela casa, entre canos e cimento, tijolos, parede e fundamentos, e também na poeira tão velha que descansa lá nos quartos lá de baixo, e nas dobradiças espelhadas à superfície das portas, e – sobretudo – no meu coração encostado no chão enquanto eu brincava, e por todo o casario vermelho porque sol... o ressoar do timbre pesado-leve dos acordes-letras. Eu criança parava. Imaginava... Que palavras partejava ela e a máquina? Que vida nascia? Pouco a pouco amando mais a palavra. Enxergando o seu milagre. E minha tia, num repicar sereno de letras, números e símbolos cifrados no silêncio barulhento da máquina-incrível... devia estar a fazer algo do seu trabalho para a escola. Não sabia que afagava com leveza sonhos futuros. Não sabia que, na inesgotável paisagem do tempo, tornava-se poema.

que fica

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a terra banhada a janela do trem a árvore que toca a estrada a faísca de luz que viaja e pausa... nos teus olhos (...) e o traçado que floresce  no meu coração  a maior beleza desse estar: teu amor. te amar.

Sertão na Flip. ❤️

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Sertão esteve na Flip Euclides da Cunha foi o autor homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2019. Durante os cinco dias de programação, o tecido urbano do sítio histórico, seu chão de pedra e ouro, a sombra de suas árvores verdejantes e caminhos há muito percorridos por diferentes contextos e passantes, vestiram-se de auditórios, conversas, debates, livrarias, cafés (muitos, no nosso caso), vozes das Américas, África, Europa, Oriente Médio (...). Entre as bordas do rio Perequê-Açu - braço de água que cintila no horizonte como se fosse também uma estrada - manhãs acordaram ao chamado da poesia. Euclides da Cunha - seu dédalo por Canudos quando correspondente de guerra (ou, para melhor ser dito, seu percurso por uma cidade exterminada em nome da ordem e do progresso pelas forças legais) deu o tom da importância inadiável de se construir um debate centrado na memória e nos relatos reais. Para bem mais do que apenas isso, porém, a homenagem enredou uma interseção

minha metade inteira

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quero-te sob o sol. a tarde envelhecendo deitados sob a sombra de uma árvore e vinho, e mar, e beijo. e algo como a sensação de viver o infinito. quero-te sob a lua o desejo no corpo ocupando cada parte da noite e delírio, e toque, e paixão. e algo como ter amor e alguém para tanto. quero tudo que é   e somos. quero-te sempre. e mais a cada momento. meu amor é teu.

meu verso de amor

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No sítio, gostava de me sentar sob a sombra de uma árvore que morava no jardim de um lajeiro. O lugar ficava numa elevação, num ponto quase suspenso. Lá ficava sozinha. Comigo. O mistério do azul pairava sob a aquarela do sertão embaixo dos meus pés. Duas carnaúbas dançavam com o vento e sempre havia um braço de água cintilando no horizonte, como se fosse uma estrada. Tudo entrava para os meus olhos. Árvores, ventos, cores, águas, pedras, canções da natureza... Eu não sentia medo nem por um instante. Penso hoje (racionalizando o que não devia) que a poesia que passa a nos habitar – ou que despertamos em nós – vem aos poucos. Vem num conjunto silencioso de atos de encontro com o belo, com a beleza. Você foi a primeira pessoa que levei à quele lugar. Naquela tarde, as coisas estavam molhadas, em orvalho. As garças desciam no brejo que nem brisas. Cada flor estava aberta para a primavera do dia. E choveu.. Choveu na tarde e no pôr-do-sol. Choveu no nosso beijo e no seu sorriso. Chov

chovia em alguma parte...

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chovia em alguma parte perto de ti. ventava quente nas velhas ruas que me estavam perto. ao ser tocada pelo vento enquanto o sol tecia seu verso diário de despedida lembrei-me do teu sorriso. sorriso que faz minha pele arder de desejo... numa necessidade pelo toque. pelo olhar. pela entrega. um esboço de noite pinta por entre as serras.  vou-me para dentro.  o relógio amaina o tempo.  flutua.  aqui, silêncios.  meus.  uma olhadela pela janela e o amarelo fraco ainda está no dossel da árvore.  as crianças ainda brincam com a pipa. ela ondula e mergulha no céu farfalhando o vento, abismando movimentos rebeldes. tenta se libertar do pendulo inverso. lembrei-me das pipas que eu fazia também criança. de como também margeava a rua. mapeava o céu. pouco a pouco amando o azul mais.  a casa da frente está fechada.  não viu a luz do sol hoje.  o livro que levei para fora é do gauche. mais uma rosa desfolha-se em palavras.  ... tenho vontade de te escrever. ten

é tudo de alguma saudade.

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Sábados eram, por direito, das avós. Pela tarde daqueles antigos dias íamos, eu e meu pai, levar meus avós de volta ao sítio. O carro ganhava os desenhos da velha estrada mais uma vez enquanto uma fina chuva de poeira tamborilava no ar, itinerante.. Vovó no banco da frente de vez em quando me olhava com olhos-sorriso. Sertão no encobria e perto da porteira eu sempre deixava um pouco mais meus olhos nesse amarelo e nessa árvore solitária. Com que idade a poesia nos é desperta? [estado permanente da alma]. Chegávamos: sítio, quintal imenso. Tomava café nos batentes da cozinha e entar[descia] devagar – até hoje gosto de tomar café debaixo do sol. Corpo permeado, arvorado: amor, cores, águas, ruídos, mato, tempero, céus, liberdade, infâncias.. voltávamos pra cidade. Eu sempre com alguma fruta na boca. Minha vó, meu avô e meu tio ficavam nos olhando até que sumíssemos no nosso retorno. Eu também os olhava. Coração cheio. Uma paz do tamanho disso tudo.