Um homem e um personagem para além dos tempos...
“Machado
de Assis e Brás, ambos no Brasil do século XIX”.
Machado de Assis nasceu no dia 21 de junho
de 1839 no morro do livramento, periferia do Rio de Janeiro. Nesta época o
Brasil se encontrava em um turbilhão de transformações, aderidas sequencial e
substancialmente pela vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808 e com a
permanência de D. Pedro I até 1831 na ex-colônia. Entretanto, ao nascer
‘Joaquim Maria Machado de Assis, encontraria um Brasil de múltiplas
divergências, um Brasil escravocrata, de governo regencial, formado de um lado
por farta riqueza a um determinado grupo social e abastecido por outro grupo
essencialmente pobre e desconhecedor das riquezas materiais trazidas para o
Brasil, ou seja, tínhamos tudo, menos algo que se aproximasse da dignidade e
igualdade social.
É neste âmbito social que nasce o gênio da literatura, Machado de Assis. Ele
vai poder presenciar todos os aspectos da sociedade a qual faz parte, primeiro
porque nasce na periferia e depois porque vai conhecer e até fazer parte do
meio elitista da cidade do Rio de Janeiro, na época capital do Brasil.
A carreira Machadiana, ao contrário dos que alguns estudiosos indicam, sempre
foi embasada em alguma crítica; entretanto, é com a obra ‘Memórias Póstumas de
Brás Cubas, marco inicial do realismo, que Machado de Assis, através de uma
narração lenta e complexa, vai de maneira inteligentíssima encontrar uma forma
de denunciar, ironizar e esclarecer as peculiaridades de uma sociedade
extremamente fútil, individualista, hipócrita e constituída necessariamente de
aparência. Vai também estabelecer as fortes ligações entre uma sociedade com
intensas desigualdades, inicialmente porque aborda a questão da escravidão, e
depois porque há a abordagem de uma camada social rica e outra extremamente
pobre.
O ex-professor da USP, Valentin Facioli, foi um grande interpretador da obra
“Memórias póstumas de Brás Cubas” ele disse: “O romance aqui é simples
acidente. O que é fundamental e orgânico é a descrição dos costumes, a
filosofia social que está implícita". Com certeza o professor tem razão,
antes de ser romance memórias póstumas é um conceito, é uma acusação a uma
sociedade inteira, é a opinião crítica de um escritor implacável.
Como já foi mencionado, a narrativa não linear em que é produzido o livro,
aborda os vários ângulos da sociedade brasileira, mais precisamente as
províncias ligadas extremamente ao modelo que a metrópole trouxe para o Brasil,
que era fundamentalmente o Rio de Janeiro, todo o litoral sulista e algumas
partes do Nordeste que tinham assumido ou adquirido naquele momento histórico
algumas das características da Europa. A interdisciplinaridade do livro enfoca
todos os recursos possíveis, desde a conversa direta com o leitor, até a
citação diversas vezes de filósofos, imperadores romanos e escritores famosos
com Shakespeare, a narração lenta e metafórica pode parecer para alguns
leitores desconfortante e até mesmo chata, fato que o narrador em uma de suas
passagens concorda; porém sabe-se que se esta passagem se trata de um dos vários
momentos críticos do livro. Outro recurso usado por Machado de Assis é a figura
de linguagem “digressão” em que os fatos e ações percorridas são transpassados
de forma que não seguem um fio lógico ou cronológico, eles obedecem a uma ordem
interior do narrador, ou seja, são descrevidos à medida que afloram a
consciência ou a memória do defunto-autor- Brás Cubas, num sentido não linear.
De todos esses momentos de crítica, enfoco reflexão em um determinado capítulo.
Aos cinquenta anos de idade, Brás Cubas já percebe o fracasso que foi sua vida,
nota que o frescor da juventude a tempos se foi e que nada havia conquistado o
que lhe aguardava era o esquecimento “Cinquenta anos! Não é a invalides, mas já
não é a frescura”.
É neste momento que Brás Cubas busca alternativas para mudar o quadro negativo
a conselho de seu amigo Quincas Borba e em uma tentativa frustrante ele
resolve, no governo, fazer um discurso breve para ganhar prestígio, mas acaba
abandonando a política; é nesta conjuntura que ele decide fundar um jornal
oposicionista e manda a notícia a imprensa, o que Brás não esperava era a
revolta de Cotrim, seu cunhado, juntamente com sua irmã, neste capitulo “o
desatino”, ambos não concordam com a disseminação de tal ideia, para eles Brás
seria discriminado pela política e até pela sociedade totalmente conservadora,
teria como resultado o fracasso e por fim a opinião crítica de toda a elite
dominadora.
Logo pode-se perceber a crítica ao defeito da aparência, ao medo do julgamento
de uma sociedade hipócrita e de uma política descriminatória. Deste capítulo
tiro também a interpretação de que Machado de Assis podia esta se referindo a
sua própria obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que seria uma inovação
gigantesca e corajosa na sociedade, um livro cujo ideário não era mais o
romance supérfluo do romantismo mas uma obra enigmática e crítica de um alcance
social intenso e baseada também em um próprio ceticismo machadiano, assim,
Machado de Assis seria também julgado na sociedade, alguns iriam o louvar,
outros não. A conclusão do referido capítulo também termina em mais um fracasso
para Brás, no entanto, este capítulo, e principalmente o livro inteiro, nos
passa a ilustre coragem de Machado de Assis, que através de Brás se exime de
qualquer compromisso com a sociedade, estando livre para criticá-la e revelar
as hipocrisias e arrogâncias das pessoas com quem ele convive.
Como trabalha essa cabecinha; show de bola, ou melhor, de cabeça.
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