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Sinto falta do aconchego daquele tempo.
Do balanço na rede. Do olhar azul e tranquilo que por vezes me
botou pra dormir.
Sinto falta do leite
atenciosamente morno. Do gosto paciente nos cuidados... Do agir tão delicado e
afetuoso.
Sinto falta do
cheiro do café. Do feijão. Do “Luaninha”. De vê-la pela janela chegar.
Falta de sentir medo e
do lençol que misteriosamente me acalmava. Do relógio na parede, do rádio, do
chão gelado, da simplicidade daquela casa.
Sinto falta de
percorrer ou nem notar as
horas deslizando, fugindo propositalmente nos domingos.
Falta daquele
tempo em que nada faltava.
Um tempo em que mais
gente me amava. Que não
existia saudade.
Não existia
ausência.
Sinto falta da
organização daquele antigo guarda-roupa. Da janela envernizada. Da árvore e das
castanholas.
Sinto falta das
brincadeiras que eu inventava. Do perfume mais inconfundível. Do banheiro com
luz divisora, dos vaga-lumes e até das batalhas entre grilos e lagartixas.
Sinto falta das noites
que me viram crescer. Do amor ofertado. Das histórias que eu criava, das que eu
te contava. De ver o dia nascer e refletir no açude... Para
logo mais morrer entre as serras mais lindas de uma vila. Aquela vila de
trabalhadores.
Sinto falta do
caráter, do sorriso e risada, dos costumes. Falta de subir na construção para
olhar o céu e suas cores, os pássaros e seus sons e ouvir os gritos de achego:
Menina, desça daí.
Sinto falta das vidas
que conheci através das histórias, do abraço, da benção, da ternura.
Falta da fé, da
simplicidade, do modo de falar, da alegria, da solicitude e luz. Dos sábados rotineiros em que íamos à feira-livre e eu podia oferecer
minha ajuda... Sinto falta daquele tempo de muita paz e pouco conflito. Tempo
de rara espera e muitas aventuras. Quando desfiávamos, eu e você, conversas que
iam para longe. Saudades que me confidenciava. Sinto falta da sua
permissão. De vê-la, com os olhos azuis atentos no sofá, me ouvindo contar
histórias, assistindo atentamente minhas apresentações infantis. Falta daquele
povoado que irresistivelmente se transformava em mundo. Das velhas árvores que
tão agilmente escalei. Dos vícios e liturgias exibidos na calçada... Falta da
nascente memória. Desse tempo que está aqui. Um dos fios que me pertence, e me
faz. Fatos e figuras que não deixam de existir.
Sinto falta daquele céu de incontáveis estrelas. Da noite reservada para as crianças. Falta do teu olhar feliz na tua janela ao nos receber. E o contraste tardio do mesmo olhar agora um pouco triste ao nos despedir.
Sinto falta daquele céu de incontáveis estrelas. Da noite reservada para as crianças. Falta do teu olhar feliz na tua janela ao nos receber. E o contraste tardio do mesmo olhar agora um pouco triste ao nos despedir.
Meu amor se alimenta todos os dias.
Mas sinto falta
daquele tempo que passou. Um tempo de quintal, de terra, de natureza, de
terreiro, de liberdade... Um tempo de avó.
E que
fará muita falta nos tempos que ainda virão.
...
Quatro anos sem aqueles olhos azuis me
olhando. Caridosos, carinhosos, atentos. Olhos da minha avó Toinha, que tudo
que me deu foi amor e desse amor me ensinou o que é vida, o que é vi(ver). Em
2010, quando a senhora partiu, sentimos que não éramos donos de nada. Que
levava consigo até os presentes que nos deu. Hoje, agradecemos pela beleza tão
incólume e profunda deixada. Ela se prolonga no tempo.
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